Preso provisório: direito de votar
LUIZ FLÁVIO GOMES*
Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa
A Itália acaba de ser repreendida pela Corte Europeia de Direitos Humanos por banir os presos das eleições do país (com informações do Conjur). Na Itália, o condenado a prisão perpétua perde definitivamente seu direito ao voto. Os demais condenados têm o direito suspenso provisoriamente; o tempo é definido de acordo com a duração do cumprimento da pena.
No Brasil a questão não se mostra tão diferente. Vejamos.
Por disposição constitucional, o condenado com sentença transitada em julgado tem suspensos os direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação (art. 15, III, da CF/88). Por proibição constitucional, também, não há no país prisão perpétua, mas a problemática surge para os presos provisórios, ou seja, para aqueles que têm cerceada sua liberdade, mas não são definitivamente considerados culpados.
Sobre o assunto, o TSE editou a Resolução 23.219 de março de 2010, cujo artigo 1º prevê:
Art. 1º Os Juízes Eleitorais, sob a coordenação dos Tribunais Regionais Eleitorais, criarão seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes, a fim de que os presos provisórios e os adolescentes internados tenham assegurado o direito de voto, observadas as normas eleitorais e as normas específicas constantes desta resolução.
Note-se a preocupação da Justiça Eleitoral em que os presos provisórios tivessem assegurado o direito ao voto. Mas a medida haveria de ser adotada particularmente por cada Estado.
No Mato Grosso do Sul, houve tentativa. A Defensoria Pública local impetrou mandado de segurança coletivo (nº 100420) para garantir o exercício do direito de voto aos adolescentes em regime de internação e aos presos provisórios, com pedido liminar de instalação de seções eleitorais em todos os locais onde houver mais de vinte presos provisórios.
O pedido, no entanto, foi negado pelo TSE em julho do ano passado. De acordo com o relator, Min. Marco Aurélio, ficou clara a inviabilidade material da medida, uma vez que o próprio presidente do TRE local constatou a dificuldade de propiciar a segurança na instalação das seções especiais em todos os estabelecimentos prisionais e unidades de internação de adolescentes do Estado.
A própria Resolução do TSE prevê hipóteses de inviabilidade da medida, nos seguintes termos:
Art. 24. Os Tribunais Regionais Eleitorais poderão, até o dia 30 de março de 2010, encaminhar ao Tribunal Superior Eleitoral eventuais particularidades, dificuldades e sugestões para a instalação das sessões eleitorais especiais previstas nesta resolução.
Nas últimas eleições presidenciais, no maior colégio eleitoral do país: São Paulo, apenas 2,7% dos presos provisórios e 25,4% dos adolescentes internados puderam votar (com informações do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas).
O cerceamento do direito ao voto dos presos provisórios, ainda que sejam invocadas razões materiais, estruturais, só revela o quanto nosso país é discriminatório e desigual. A reprodução da desigualdade acontece em todos os setores e em todos os poderes. Para os integrantes das camadas superiores os benefícios. Para os de baixo a lei, a discriminação, o preconceito. Enquanto não houver igualdade civil não se pode esperar a construção de um país justo e equitativo.
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*LFG – Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook. Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.