Esse é o tema mais complexo no que se refere às cláusulas pétreas. Primeiro porque a expressão se mostra mais restritiva do que a doutrina, a jurisprudência e a prática já consagraram. O correto é entender que a cláusula pétrea se refere aos direitos e garantias fundamentais e não apenas aos direitos e garantias individuais1.
O tema também é complexo porque o art. 5º, §2º traz cláusula de abertura dos direitos fundamentais e permite que direitos não expressamente constantes do catálogo do art. 5º sejam considerados direitos fundamentais. Verifica-se que há uma dificuldade em tipificar os direitos fundamentais, porque embora haja o Título II da CF com tal finalidade, a cláusula de abertura do art. 5º, §2º torna o rol aberto, exemplificativo, não exaustivo. O rol dos direitos fundamentais não se encerra no art. 5º (nem do 5º ao 17) e não elimina a possibilidade de que outros direitos sejam deles decorrentes. A própria CF indica que os direitos decorrentes podem ser em razão do regime que ela adota2, pode ser em razão dos princípios por ela adotados3 ou ainda em razão dos tratados internacionais que a República venha a fazer parte4.
Comentando acerca da proteção aos menores de 18 anos com a inimputabilidade penal, Alexandre de Moraes assim se manifestou:
Seria possível uma emenda constitucional, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, para alteração do art. 228?
Entende-se impossível essa hipótese, por tratar-se a inimputabilidade penal, prevista no art. 288 [sic] da Constituição Federal, de verdadeira garantia individual da criança e do adolescente em não serem submetidos à persecução penal em Juízo, tampouco poderem ser responsabilizados criminalmente, com consequente aplicação de sanção penal.5
Logicamente, discordamos de forma absoluta com o argumento de Nucci, citado na nota 5 acima, porque se mostra consolidado e admissível pela própria Constituição a existência de direitos do homem “soltos” pelo Texto Magno.
A terceira dificuldade vem do fato de que a cláusula não traz uma imutabilidade absoluta para tais direitos e, principalmente, em se tratando de direitos fundamentais, é possível a alteração que mantenha a essência, ou seja, é permitido que, com razoabilidade e proporcionalidade, um direito sofra uma conformação para se ajustar ao imperativo de convivência harmônica em sociedade.6
Segundo Manoel Gonçalves (2005, p. 243):
... estes princípios [direitos fundamentais], desde que não sejam eliminados, podem ter o seu regime de aplicação alterado, sem que se infrinja a proibição. Com efeito, como aponta Alexy, uma restrição só afeta o “conteúdo essencial” de um direito, portanto, o abole indiretamente, “quando não é adequada, não é necessária ou é desproporcionada em sentido estrito”.
1. Várias decisões do STF já podem confirmar a tese de que os direitos protegidos são os fundamentais e não apenas os individuais porque direitos dos arts. 7º, 16 e 150 já foram protegidos como fundamentais e, portanto, protegidos por cláusula pétrea.
2. Embora não haja decisões expressas do STF sobre todos os temas, grande parte da doutrina moderna entende que a proteção aos direitos fundamentais pode estar associada à proteção do indivíduo (art. 5º), ao mínimo existencial (arts. 6º, 7º e outros), à nacionalidade (art. 12), aos direitos políticos (arts. 14 a 16), proteção em face da administração pública (art. 37), aos direitos dos contribuintes (art. 150), aos direitos previstos na ordem social (principalmente meio ambiente – art. 225 e inimputabilidade penal até os 18 anos – art. 228). Portanto, apregoa-se a ideia de que os direitos que podem vir a ser considerados fundamentais visam proteger, de toda e qualquer forma, o indivíduo contra o excesso e o arbítrio do poder estatal.
3.Como o direito fundamental a não autoincriminação – não ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. O direito fundamental à razoabilidade – leis desarrazoadas são inconstitucionais na restrição de direitos fundamentais e outros direitos fundamentais decorrentes dos princípios constitucionais.
4. O STF atualmente entende que os direitos fundamentais constantes de tratados internacionais que foram aprovados pelo quórum de maioria simples, ou seja, anteriores à EC 45/2004, serão normas infraconstitucionais, embora sejam supralegais.
5. Alexandre de Moraes (2005, p. 2176). Interessante ressaltar, contudo, que o autor citado traz opinião diversa (de outro autor) sobre o tema. Cita que Guilherme de Souza e Nucci entende ser possível a redução da menoridade. “não podemos concordar com a tese de que há direitos e garantias fundamentais do homem soltos em outros trechos da Carta, por isso, também cláusulas pétreas, inseridas na impossibilidade de emenda prevista no art. 60, §4º, IV, CF” (Nucci, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 109).
6. Assim, enuncia-se o princípio da razoabilidade: uma norma restritiva de direitos fundamentais deve ser útil (adequada, pertinente) a satisfazer um interesse maior, necessária (causar a menor lesão possível) no sentido de que não se atinge o interesse maior se não for por esse meio, e proporcional no sentido que os fins obtidos compensam os meios utilizados – a satisfação alcançada supera as restrições utilizadas.
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