quarta-feira, 22 de abril de 2015

REFORMA POLÍTICA E A HIPERFRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS: Alguns aspectos importantes

REFORMA POLÍTICA E A HIPERFRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS: Alguns aspectos importantes

 

André Alencar dos Santos

Abril de 2015

INTRODUÇÃO

O Brasil passou de um regime de bipartidarismo forçado durante o regime militar para um sistema multipartidário excessivamente fragmentado já na década de 1980. A legislação do período de transição trouxe certa flexibilidade e até certa facilidade para a criação de partidos políticos. Podemos dizer que a Constituição de 1988 foi influenciada pelo lado positivo de se estar novamente num regime pluripartidarista.

A Constituição de 1988 previu grande autonomia e liberdade para o desenvolvimento do pluripartidarismo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

V - o pluralismo político.

...

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

...

A partir da década de 1990 o multipartidarismo se converte em um sistema (se é que se pode falar em sistema) amontoado e fragmentado de partidos que iremos denominar de hiperfragmentação. Algumas vozes se insurgiram dentro dos meios políticos contra o excesso de partidos e começam a pregar modificações na legislação eleitoral, chegando até mesmo a se falar em reforma política logo após a recém-aprovada Constituição Federal de 1988.

Atualmente há uma forte tendência de se alterar o sistema partidário. Há várias propostas sendo discutidas na Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados que podem causar impactos no atual sistema partidário, trataremos de três que ao nosso ver impactam mais diretamente:

1)       Modificar regras específicas sobre a possibilidade de criação de novos partidos, estabelecendo mecanismos mais rígidos;

2)       (Re)Instituir cláusula de barreira ou de desempenho para impedir o funcionamento parlamentar (e o acesso à rádio/TV e fundo partidário) para partidos que não alcançarem percentual mínimo de votos para a eleição de Deputados Federais.

3)       Modificar o sistema eleitoral impedindo as coligações de partidos nas eleições proporcionais.

As propostas são tendentes a trazer uma diminuição no número de partidos, principalmente no número de partidos representados na Câmara dos Deputados. Vejamos com mais propriedade esses temas.

CRIAÇÃO DE NOVOS PARTIDOS

Percebe-se nas discussões sobre a reforma política que há um relativo consenso de que as atuais regras de criação de partidos políticos previstas na Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) são muito flexíveis, portanto seu enrijecimento é benéfico para o sistema.

Já em 2015 o Congresso Nacional aprovou lei que não mais permite o “apoiamento” de pessoas que já sejam filiadas a partidos políticos. Vejamos a atual norma que fixa o “apoiamento mínimo” para se registar um partido junto ao TSE:

Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.

§ 1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por 1/3 (um terço), ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles. (Redação dada pela Lei nº 13.107, de 2015)

§ 2º Só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão, nos termos fixados nesta Lei.

§ 3º Somente o registro do estatuto do partido no Tribunal Superior Eleitoral assegura a exclusividade da sua denominação, sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que venham a induzir a erro ou confusão.

Há outras propostas que ainda são muito variadas e difusas: Aumentar o número de assinaturas, exigir uma pré-filiação dos apoiadores, exigir número mínimo de filiados para o registro de candidaturas... Por enquanto vamos aguardar o amadurecimento dessas discussões.

CLÁUSULA DE BARREIRA OU CLÁUSULA DE DESEMPENHO

Enquanto a questão anterior tratava-se da criação de partidos, a questão agora é “inviabilizar” alguns dos partidos já existentes por terem baixo desempenho. O critério seria o percentual de votos para a eleição da Câmara dos Deputados.

Há vários argumentos que poderiam ser usados contra a instituição de cláusula de desempenho, um deles é o de que os partidos sempre começariam “pequenos” normalmente elegendo representantes nas casas legislativas municipais e estaduais para só então conseguir, em pleitos subsequentes, a eleição de mandatários para a Câmara dos Deputados e a cláusula de barreira impediria essa possibilidade por fulminar os partidos ainda “jovens” retirando deles o funcionamento parlamentar, o acesso ao programa gratuito no rádio e TV e recursos do fundo partidário. Outro argumento é que já existe cláusula de barreira, o quociente eleitoral previsto no sistema eleitoral proporcional já é uma cláusula de barreira que impede os partidos de elegerem candidatos se não tiverem expressiva votação. Além do mais, outra regra que está em discussão é a distribuição das sobras no cálculo do quociente partidário. Quando há sobras apenas partidos que tenham atingido um quociente eleitoral podem participar da divisão.

O Congresso Nacional aprovou a criação de cláusula de barreira - Art. 13 da Lei nº 9.096/95. O dispositivo impedia o funcionamento parlamentar, em todas as casas legislativas para as quais tenha elegido representante, de partido que não obtivesse, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço do total de cada um deles. A cláusula foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ADIs 1351 e 1354.

Atualmente se pensa em recriar a cláusula de barreira com percentuais mais módicos. Mas será que mesmo mais tênue não estaria incidindo no mesmo vício de inconstitucionalidade?

A FIDELIDADE PARTIDÁRIA E A CONTRIBUIÇÃO PARA A HIPERFRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA

Uma das grandes críticas ao excesso de partidos estava nas chamadas “legendas de aluguel”. A facilidade com que se mudava de partidos no Brasil veio a se tornar algo inaceitável e insustentável, os partidos não tinham nenhum controle sobre a manutenção de seus eleitos em seus quadros.

Em 2007 foi feita uma Consulta ao TSE (Consulta nº 1.398/07) sobre se a troca de legenda não seria uma abdicação do mandato tendo em vista ser o mandato do partido e não do candidato. O TSE respondeu afirmativamente, entendeu que a necessidade de se manter “fiel” ao partido não precisa estar expressa na CF ou na lei porque derivaria do sistema constitucional, assim a desfiliação (por exemplo: troca de partidos sem justa causa) geraria a perda do mandato. O STF foi acionado nos MS 26.602, 26.603 e 26.604 e entendeu como o TSE pela fidelidade partidária. O TSE regulamentou a questão por meio das Resoluções 22.610/07 e 22.753/08 estendendo inclusive a necessidade de fidelidade para os mandatários eleitos pelo sistema majoritário. O STF novamente confirmou a orientação do TSE por meio das ADIs 3.999 e 4.086.

O problema gerado, quase que um efeito colateral, é que uma das “justas causas” admitida na Resolução do TSE para permitir a troca de partido sem perder o mandato seria a constituição de novo partido político (assim surgiram grandes e pequenas legendas partidárias, como o PSD). Diz-se no meio político que “é melhor ser cabeça de sardinha do que cauda de baleia” para justificar que muitos mandatários preferem ser líder de pequenas agremiações políticas e assim gozar de várias prerrogativas regimentais (RICD) do que ser “mais um” em uma grande legenda partidária.

Então, a fidelidade partidária, instituída por determinação judicial, que tinha o objetivo de fortalecer os partidos acabou sendo mais um empuxo para a criação de novos partidos e aumentando ainda mais a hiperfragmentação partidária.

COLIGAÇÕES PROPORCIONAIS E A PROPOSTA DE FEDERAÇÕES PARTIDÁRIAS

Outra grande questão política que acabou tendo um deslinde no Judiciário foi a questão das coligações eleitorais, o TSE entendeu por meio da Resolução 21.702/02 que os partidos não estariam livres para estabelecer seu regime de coligações (“Verticalização das coligações”) e tal interpretação, segundo chancela do STF na ADI 3.345, aplicar-se-ia já às eleições daquele ano.

Em 2006 o Congresso Nacional aprovou Emenda Constitucional (EC 52/06) estabelecendo a “liberdade” para o regime de coligações e o STF confirmou a constitucionalidade (ADI 3.685) de tal Emendas, porém determinando a aplicação somente para as eleições seguintes (em razão do princípio da anualidade eleitoral), veja a atual redação da norma constitucional alterada pela EC 52/06:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

...

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006)

...

É fato que o regime de coligações nas eleições proporcionais oferece maior probabilidade de partidos pequenos elegerem seus representantes, porém, a hiperfragmentação atual verificada na Câmara dos Deputados (são 28 partidos com representação e funcionamento parlamentar na Casa) tem gerado críticas acerca da impraticabilidade de tal sistema.

Atualmente se discute novamente mudar o regime de coligações, porém, dessa vez para se restringir coligações. A proposta que parece ter grande aceitação é de se proibir coligações em eleições proporcionais.

Um argumento válido em favor da proibição é que tais coligações permitem que os votos dos eleitores sejam “aproveitados” por candidatos ou partidos de ideologias diferentes àquela deseja pelo eleitor. Porém, entendemos que há outras formas de se combater essa eleição “indesejada” que não seja atingindo a liberdade de coligações.

Outro argumento (esse, bastante discutível) é que o excesso de partidos prejudica a governabilidade. Porém, estudos de cientistas políticos não chegam a consenso sobre o quanto a existência de pequenas representações no Parlamento efetivamente afetam a governabilidade. “Já não parece tão claro que o grau de fragmentação atualmente observado no sistema partidário conduza a um regime político insustentável.[1]

Advertimos, no entanto, que mesmo que se queria proibir as coligações em eleições proporcionais, a proposta dificilmente será aceita. Entendemos que a constitucionalização do tema da “liberdade das coligações” por meio da EC 52/06 tende a gerar uma imensa dificuldade de implantação da alteração do tema. A questão demanda nova emenda constitucional (ao Art. 17 §1º da CF) e é sabido que várias tentativas de reformas políticas mal conseguiram quórum de maioria absoluta para alterar o Código Eleitoral, quiçá agora alterar a Constituição por meio de quórum qualificado de 3/5 dos votos em dois turnos de discussão e votação.

Uma proposta alternativa ao fim das coligações para disputas proporcionais é a criação da “federação partidária” que não se difere abruptamente das atuais coligações. A principal diferença é que os partidos “federalizados” deverão obedecer à “verticalização” e também devem se manter unidos e atuando unidos durante toda a legislatura. Mas, como ressaltamos acima, a questão depende de reforma constitucional.


 

CONCLUSÃO

Não há consenso na atual comissão de reforma política e nem mesmo nas tentativas anteriores de reforma se é realmente necessário diminuir o número de partidos representados na Câmara dos Deputados, muito embora o Brasil demonstre ser o país com maior número de partidos representados no Parlamento.

O que tem se mostrado consenso é a necessidade de se combater a corrupção em todas as suas vertentes, principalmente, a corrupção no sistema eleitoral e no financiamento das campanhas.

E a mudança na forma de financiamento das campanhas pode alterar o atual quadro partidário no Brasil? Embora esse assunto mereça outras considerações, vejamos o que nos diz Márcio Nuno Rabat[2]:

“No que diz respeito aos interesses dos pequenos partidos, há certa ambiguidade na adoção do financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais como a capacidade de arrecadação de recursos privados também tende a ser bem inferior nos partidos pequenos, o simples fato de que uma parcela dos recursos públicos seria distribuída igualitariamente entre todos os partidos registrados – e parcelas ainda maiores seriam distribuídas, também igualitariamente, entre os partidos que tenham elegido representantes nas eleições anteriores da Câmara dos Deputados – torna possível que, pela proposta do relator, os partidos pequenos, na prática, recebam, proporcionalmente ao que recebem os partidos grandes, um volume de recursos maior do que têm recebido pelo financiamento privado. O benefício ou prejuízo para os pequenos partidos vai depender da capacidade de arrecadação privada que concretamente eles tenham, comparada com o percentual de recursos que lhes caberia pelas regras de distribuição de recursos públicos estabelecidas na futura lei.”

RESUMO

·         Em poucos anos o Brasil passou do bipartidarismo “forçado” para uma hiperfragmentação partidária;

·         É salutável e imperativo que se estabeleça maior rigidez nas regras sobre criação de novos partidos. O enrijecimento pode ajudar a reduzir, mitigar, minimizar ou impedir ainda mais a hiperfragmentação;

·         Cláusula de barreira ou de desempenho já existe por meio do quociente eleitoral. Criar barreira para acesso ao fundo partidário e ao rádio e TV pode vir a ser declarada novamente inconstitucional pelo STF;

·         A justa causa criada pelo Judiciário como exceção ao princípio da fidelidade partidária tem contribuído para a hiperfragmentação;

·         A proibição de coligações em eleições proporcionais pode ser benéfica para corrigir distorções do sistema eleitoral, porém, bastante prejudicial à atual liberdade partidária instituída por meio da EC 52/06. Entendemos que há outras formas de se atingir o mesmo objetivo. De qualquer forma a alteração demanda nova reforma constitucional que dificilmente encontraria consenso suficiente nesse tema no atual quadro de hiperfragmentação;

·         Não se pode prever com segurança se a mudança no financiamento de campanhas trará efeitos na questão da hiperfragmentação.

 



[1] Rabat, Márcio Nuno: Impacto das propostas da comissão da reforma política sobre os Pequenos partidos. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/10497, acesso em 22 de abril de 2015.

[2] Rabat, Márcio Nuno: Impacto das propostas da comissão da reforma política sobre os Pequenos partidos. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/10497, acesso em 22 de abril de 2015.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

PEC 171/93 - Redução da Menoridade

 

 

Redução da maioridade “PEC 171/93 da menoridade”: Um contributo à discussão

André Alencar dos Santos

Bacharel em Direito,

Advogado pela OAB,

Analista Legislativo da Câmara dos Deputados e

Professor em diversos preparatórios para concursos.

Sumário

1. Introdução. 1

2. Tramitação de PECs. 1

2.1. Recebimento da proposição e o primeiro exame de constitucionalidade. 1

2.2. Sobre o exame da admissibilidade na CCJC. 1

2.3. Discussão da matéria (mérito) em Comissão Especial 3

2.4. Votação da matéria em plenário. 3

2.5. Ausência de poder de veto e promulgação. 4

3. O que é “cláusula pétrea”?. 4

3.1. Os “poderes constituintes” originário e derivado. 4

3.2. A previsão de cláusulas pétreas como limitações materiais expressas ao poder derivado 5

3.3. A expressão “tendente a abolir”. 5

3.4. O rol de “cláusulas pétreas” na CF de 1988. 6

3.5. Qual o sentido do termo “os direitos e garantias individuais”. 7

4. Inimputabilidade penal como cláusula pétrea. 9

4.1. Qual o sentido da inimputabilidade aos 18 anos?. 9

4.2. Possibilidade da redução da maioridade. 10

5. Outros argumentos contrários à redução e suas inconsistências. 11

5.1. A imputação a partir dos 16 anos não vai reduzir a violência. 11

5.2. É razoável a redução para 16 anos?. 12

5.3. Não iríamos “formar” bandidos mais perigosos na “universidade do crime”?. 12

5.4. “Apenas jovens pobres (ou pobres e negros) seriam prejudicados...”. 13

5.5. E nossos presídios estão prontos para receber essa nova “população” carcerária?. 14

5.6. A imputabilidade traria penas elevadas dificultando a ressocialização. 14

6. Controle de constitucionalidade das PECs. 14

6.1. Controle concreto preventivo de constitucionalidade das PECs. 14

6.2. Controle abstrato preventivo de constitucionalidade das PECs. 15

7. Conclusão. 17

1.       Introdução

Essa semana (dia 31/03/2015) foi admitida na CCJC da Câmara dos Deputados a proposta de alteração do Art. 228 da CF que trata da menoridade. O grande ponto de debate acerca da PEC 171/93 foi a decisão sobre se redução fere ou não cláusula pétrea.

Acreditamos que o tema mereça alguns esclarecimentos. Primeiramente, o que é “exame de admissibilidade” da CCJC? Segundamente, o que é e qual o sentido de “cláusulas pétreas”? Terceiramente, o Art. 228 da CF que trata da inimputabilidade penal dos menores de 18 anos é suscetível de alteração ou seria inconstitucional uma futura Emenda Constitucional sobre o tema? E em quarto lugar, é possível controle de constitucionalidade para obstar a discussão do tema?

Iremos tratar desses e de outros pontos e também nos posicionar acerca da redução da maioridade.

2.       Tramitação de PECs

2.1. Recebimento da proposição e o primeiro exame de constitucionalidade

Toda proposição é recebida pela Mesa, conforme o Art. 137 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD):

Art. 137. Toda proposição recebida pela Mesa será numerada, datada, despachada às Comissões competentes e publicada no Diário da Câmara dos Deputados e em avulsos, para serem distribuídos aos Deputados, às Lideranças e Comissões.

§ 1º Além do que estabelece o art. 125, a Presidência devolverá ao Autor qualquer proposição que:

I – não estiver devidamente formalizada e em termos;

II – versar sobre matéria:

a) alheia à competência da Câmara;

b) evidentemente inconstitucional;

c) antirregimental.

2º Na hipótese do parágrafo anterior, poderá o Autor da proposição recorrer ao Plenário, no prazo de cinco sessões da publicação do despacho, ouvindo-se a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em igual prazo. Caso seja provido o recurso, a proposição voltará à Presidência para o devido trâmite.

Pode-se perceber que pelo Art. 137§1º, II, “b” que se a Presidência da Casa não devolveu ao autor é porque já entendeu que não havia inconstitucionalidade flagrante. Portanto a PEC 171/93 passou pelo primeiro filtro de admissibilidade.

2.2. Sobre o exame da admissibilidade na CCJC

Após o recebimento, a proposta é despachada pelo Presidente da Casa para o exame “formal” de admissibilidade, conforme o Art. 202 do RICD:

Art. 202. A proposta de emenda à Constituição será despachada pelo Presidente da Câmara à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que se pronunciará sobre sua admissibilidade, no prazo de cinco sessões, devolvendo-a à Mesa com o respectivo parecer.

A apreciação da Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania (CCJC) é somente quanto à admissibilidade da proposta, a possibilidade de ela ser ou não discutida nos termos do Art. 60 da CF. Veja o Art. 32 do RICD:

Art. 32. São as seguintes as Comissões Permanentes e respectivos campos temáticos ou áreas de atividade:

...

IV – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania:

...

b) admissibilidade de proposta de emenda à Constituição;

A CCJC não analisa o mérito, a função do exame de admissibilidade das PECs é a aferição quanto aos pressupostos para que a matéria possa realmente tramitar, basicamente verifica se o autor (ou autores) são legitimados para apresentar a proposta (conforme o Art. 60, I a III da CF), se não há circunstâncias limitativas (estado de defesa, de sítio ou intervenção federal – Art. 60§1º da CF), se não está frontalmente contrária às cláusulas pétreas (Art. 60 §4º, I a IV) – conforme Art. 201, I e II do RICD – e se a matéria não foi objeto de rejeição na mesma sessão legislativa (Art. 60§5º da CF).

Veja a disposições constitucionais:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

...

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

A análise da compatibilidade com as cláusulas pétreas é a questão mais complexa no exame da admissibilidade das PECs, por isso é quase impossível numa proposta como essa não adentrar no mérito.

2.3. Discussão da matéria (mérito) em Comissão Especial[1]

Após o exame de admissibilidade, considerando-se a PEC apta a tramitar para se adentrar ao mérito, o Art. 202 do RICD em seus parágrafos primeiro e segundo, nos mostra os próximos passos:

Art. 202.

...

§ 1º Se inadmitida a proposta, poderá o Autor, com o apoiamento de Líderes que representem, no mínimo, um terço dos Deputados, requerer a apreciação preliminar em Plenário.

§ 2º Admitida a proposta, o Presidente designará Comissão Especial para o exame do mérito da proposição, a qual terá o prazo de quarenta sessões a partir de sua constituição para proferir parecer.

Considerando que a PEC 171/93 passou pelo exame de admissibilidade, será então constituída uma Comissão Especial para debater a matéria e apresentar um relatório sobre a discussão. Veja o que diz o Art. 34 do RICD:

Art. 34. As Comissões Especiais serão constituídas para dar parecer sobre:

I – proposta de emenda à Constituição e projeto de código, casos em que sua organização e funcionamento obedecerão às normas fixadas nos Capítulos I e III, respectivamente, do Título VI;

Somente na Comissão Especial (a ser instalada no dia 08/04/2015) serão admitidas emendas à proposta, ou seja, as sugestões de alteração serão feitas na Comissão Especial, veja o que dispõe o RICD:

Art. 201.

...

§ 3º Somente perante a Comissão Especial poderão ser apresentadas emendas, com o mesmo quórum mínimo de assinaturas de Deputados e nas condições referidas no inciso II do artigo anterior, nas primeiras dez sessões do prazo que lhe está destinado para emitir parecer.

2.4. Votação da matéria em plenário

Somente após a discussão da Comissão Especial a proposta será votada em plenário. A votação final é feita em plenário para possibilitar uma ampla participação e também para se obedecer ao quórum especial exigido para aprovação das PECs (60% dos votos favoráveis em cada casa do Congresso Nacional e em dois turnos de discussão e votação), conforme o Art. 202 §5º e 6º do RICD e também o Art. 60§2º da CF:

Art. 60.

...

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

2.5. Ausência de poder de veto e promulgação

Por fim, após a aprovação em cada uma das Casas do Congresso Nacional (CN) pelo voto de três quintos de seus membros e em dois turnos de discussão e votação é que a PEC estará apta a ser promulgada.

É importante lembrar ou esclarecer que as PECs não passam por sanção, não se concede ao Presidente da República o poder de veto sobre as alterações constitucionais. Confira o Art. 84 da CF que traz as competência do Presidente da República:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

...

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;

Portanto, uma vez aprovada a PEC, se transforma em Emenda Constitucional e ao ser promulgada (e publicada) recebe um número de ordem. A promulgação é competência das Mesas da CD e do SF em sessão conjunta, conforme o Art. 203 Parágrafo Único do RICD e Art. 60 §3º da CF:

Art. 60.

...

§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

3.       O que é “cláusula pétrea”?

3.1. Os “poderes constituintes” originário e derivado

A Constituição de 1988 é considerada pela maioria esmagadora da doutrina como fruto de um Poder Constituinte Originário (PCO)[2]. O PCO tem o poder de dispor sobre os principais temas da sociedade e do Estado de forma inicial, autônoma, ilimitada[3], incondicionada... entre outras características que o tornam um poder especial – considerado inclusive um poder supra legem (extra jurídico). Em suma:

“... Poder Constituinte como a faculdade que todo povo possui de fixar as linhas mestras sob as quais deseja viver, ou seja, é o poder dado a uma comunidade de estabelecer suas normas constitucionais (normas funda­mentais, estrutura básica do Estado).”[4]

O PCO sabe, por outro lado, que a sua obra pode apresentar imperfeições ou pode haver uma dissonância entre o que está escrito e a prática a partir da evolução normal da sociedade.

É fato que a sociedade muda e por isso é previsto que a Constituição possa ser alterada para preservar sua correspondência com a realidade e sua normatividade – conforme a doutrina de Carl Lowenstein. Embora a mudança seja necessária, critica-se o excesso de alterações e principalmente, as alterações formadas apenas momentaneamente. Por isso está prevista na própria Constituição a sua forma de alteração com procedimentos e limites diferentes da feitura de uma lei qualquer (Constituição rígida).

Para a alteração (reforma e revisão) da Constituição o PCO cria outro poder, o Poder Constituinte Derivado (PCD), este é o poder de alterar as normas constitucionais, claro – com obediência aos limites fixados pelo PCO.

Então, nessa síntese apertada, podemos ver que enquanto o PCO é um poder extraordinário de dar “uma reviravolta” no ordenamento jurídico, o PCD é um poder jurídico para reformar ou adaptar a obra criada e, portanto, limitado pelas normas postas na própria Constituição, por isso sujeito a controle de suas ações.

3.2. A previsão de cláusulas pétreas como limitações materiais expressas ao poder derivado

Um dos limites mais importantes fixado pelo PCO, já introduzido no tema da tramitação explanado acima, é a capacidade de “petrificar” algumas matérias (limites materiais ao poder de reforma). A petrificação é uma forma de tornar estável ou “garantida” a matéria que se identifica como um núcleo essencial da obra que se está produzindo. O PCO, em outras palavras, identifica cláusulas de identidade constitucional que, se desvirtuadas, podem alterar o que seria a própria Constituição criada.

Como escrevi, cláusulas pétreas:

“São limitações estabelecidas em relação à matéria ou ao conteúdo considerado como núcleo intangível da Constituição. As cláusulas pétreas foram criadas pelo Poder Constituinte originário para impedir o papel reformador do Poder Constituinte derivado no que se refere à substância que o Originário considerou essencial.” (grifos no original)[5]

3.3. A expressão “tendente a abolir”

As matérias que as cláusulas pétreas protegem podem ser modificadas e atualizadas, isso é praticamente pacífico na doutrina. O que não se aceita é a abolição, exclusão, retirada, ainda que de pequena monta, de tais matérias, quando essenciais à configuração da Constituição.

A Constituição veda a proposta tendente a abolir tais conteúdos essenciais. Pode haver deliberação para melhorar, incluir, adicionar ou alterar o assunto que dá conformação à cláusula pétrea. O que se veda é a tendência à abolição, à retirada, à exclusão.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posiciona, modernamente, neste sentido:

... de resto as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, §4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. (grifo nosso)[6]

Veda-se que o conteúdo essencial seja alterado. Gilmar Mendes e outros (2007, p. 209) entendem que:

... a mera alteração redacional de uma norma componente do rol das cláusulas pétreas não importa, por isso somente, inconstitucionalidade, desde que não afetada a essência do princípio protegido e o sentido da norma.[7]

Portanto, se não estamos de uma intangibilidade literal então deve-se perquirir qual alteração afeta ou não o núcleo essencial de um tema protegido como cláusula pétrea.

3.4. O rol de “cláusulas pétreas” na CF de 1988

Então, para aprofundarmos a discussão, vamos rever quais são os limites materiais expressos ou cláusulas pétreas (Art. 60 §4º):

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

...

§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

São muitas as confusões sobre o que é, verdadeiramente, cláusula pétrea. Podemos citar duas grandes “confusões” que são feitas entre os que se iniciam no tema. Primeira: O que significa a expressão “tendente a abolir”? Segunda: Qual o núcleo essencial de cada uma das cláusulas pétreas? Ou seja, o que realmente significa uma expressão como “forma federativa de Estado”, “separação dos Poderes” ou “direitos e garantias individuais”.

Cada um dos temas (Incisos I a IV) protege assuntos da Constituição que são essenciais, são temas importantes de serem mantidos ou preservados independentemente da vontade do PCD de alterar e até mesmo independentemente dos valores que a sociedade consagra num dado momento. Claro é que as cláusulas pétreas não limitam o próprio PCO, portanto, caso seja necessário rever tais temas, deve-se buscar uma nova Constituição, somente essa tem o poder de “revolucionar” a ordem jurídica.

3.5. Qual o sentido do termo “os direitos e garantias individuais”

Por uma questão metodológica, não vamos abordar todas as cláusulas pétreas, iremos tratar do inciso IV que reza “os direitos e garantias individuais”.

Partindo-se do pressuposto que a vontade do PCO não foi petrificar dispositivos específicos do texto, conforme outra lição do STF:

A afirmação então reiterada de que os limites materiais à reforma constitucional – as já populares “cláusulas pétreas” – não são garantias de intangibilidade de literalidade de preceitos constitucionais específicos da Constituição originária – que, assim se tornariam imutáveis – mas sim do seu conteúdo nuclear é da opinião comum dos doutores (cf., v.g., Nelson S. Sampaio, O poder de reforma constitucional, 3 ed., p. 87; Jorge Miranda, Manual Dir. Constitucional, 2 ed., 1983, 11/189; Klaus Stern, Derecho Del Estado de la RFA, trad. Madrid, 1987, p. 342 ss; Gomes Canotilho, Direito Constitucional, a ed., p. 1138; Oscar Vilhena Vieira, A Constituição e sua Reserva de Justiça, Saraiva, 1999, p. 222 ss.) (grifo nosso)[8]

O que seriam, por exemplo, “os direitos e garantias individuais”? Estariam eles somente no Art. 5º da CF que trata “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”? Estariam na verdade ao longo do Título II da CF que trata dos “Dos direitos e garantias fundamentais”? Será que é possível encontrar direitos individuais em outros artigos, como o Art. 228 da CF?

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

A grande questão para se entrar na discussão de que se a inimputabilidade do Art. 228 é ou não cláusula pétrea é a interpretação da cláusula de abertura dos direitos fundamentais, ou seja, os direitos fundamentais foram inscritos com a característica da inexauribilidade ou inesgotabilidade.

Art. 5º § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

A cláusula de abertura ora em análise permite a extensão de direitos fundamentais por duas vias:

·         Direitos decorrentes

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados: Os direitos fundamentais podem estar expressos em outros pontos da Constituição, não se subsumem ao artigo 5º ou do 5º ao 17 – “direitos decorrentes do regime por ela adotados”.

Direitos fundamentais também podem estar implícitos (“direitos decorrentes dos princípios por ela adotados”), ou seja, podem ser decorrência da interpretação da Constituição, conforme o STF entende ser decorrente da cláusula do devido processo legal e do Estado de Direito o princípio implícito da proporcionalidade ou razoabilidade.

Por essa análise sumária já é possível afirmar que há direitos fundamentais em outros artigos da CF, como já admitiu o STF na ADI 939 ao julgar a inconstitucionalidade da EC 03/93 em razão de ferir garantia individuais do contribuinte (Art. 150, III, “b” da CF) e também na ADI 3128 ao se avaliar a constitucionalidade da reforma da previdência em face dos Arts. 145, §1º, e 150, II da CF.

Portanto, tudo parece indicar que o Art. 228 que trata da inimputabilidade penal também pode vir a ser considerada pelo STF, como é para parte da doutrina (mencionaremos à frente) como pertencente à cláusula pétrea “dos direitos e garantias individuais”.

A segunda via para que o catálogo dos direitos fundamentais receba outros direitos é pela via da internalização, vejamos.

·         Direitos constantes de tratados

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte: Neste ponto a interpretação deverá levar em conta a reforma do Judiciário e a criação do Art. 5º §3º que, expressamente, permite que os direitos fundamentais constantes de tratados internacionais tenham status constitucional.

Em relação aos tratados, há pelo menos dois tratados já incorporados pelo Brasil e citado pelo relator vencido no debate da CCJC que tratam do tema em questão:

O primeiro é a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução nº 44/25 (XLIV), da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Seu art. 1º estabelece ser criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade.

Mas, a Convenção, em seu artigo 37, letra “a”, limita-se a vedar a estas pessoas a imposição de penas perpétuas, cruéis, desumanas, degradantes e de morte. Vejamos:

Artigo 37

Os Estados Partes zelarão para que:

a) nenhuma criança seja submetida a tortura nem a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Não será imposta a pena de morte nem a prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por menores de dezoito anos de idade;

O outro tratado é o famoso Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil também é signatário e que, inclusive em decisão já expressa pelo STF, tem natureza supralegal. Veja o que dispõe o Artigo 5º do Pacto:

Artigo 5º

Direito à integridade pessoal

...

§5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.

...

Então, mais do que claro está que há uma garantia mínima de que pessoas em fase de desenvolvimento devem receber um tratamento diferenciado dos “adultos” ao cometerem ilícitos penais. Então vamos analisar o núcleo essencial da inimputabilidade.

4.       Inimputabilidade penal como cláusula pétrea

Embora não tenhamos autoridade para dizer de forma definitiva, podemos sim dizer que o Art. 228 pode ser considerado como direito fundamental e, portanto, protegido dentro do núcleo essencial da cláusula pétrea “os direitos e garantias individuais” do Art. 60§4º. O que não significa interpretarmos tal cláusula como imutável – como já ressaltamos linhas atrás.

Comentando acerca da proteção aos menores de 18 anos com a inimputabilidade penal, Alexandre de Moraes assim se manifestou:

Seria possível uma emenda constitucional, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, para alteração do art. 228?

Entende-se impossível essa hipótese, por tratar-se a inimputabilidade penal, prevista no art. 288 [sic] da Constituição Federal, de verdadeira garantia individual da criança e do adolescente em não serem submetidos à persecução penal em Juízo, tampouco poderem ser responsabilizados criminalmente, com consequente aplicação de sanção penal.[9]

Parece-nos que o autor citado entende que a cláusula é de imutabilidade, ou de absoluta permanência da literalidade explicitada. Já nos posicionamos contrários à tese da inalterabilidade da literalidade dos dispositivos e inclusive trouxemos fundamentos sobre o tema. Interessante ressaltar que o autor citado traz opinião diversa sobre o tema. Cita que Guilherme de Souza e Nucci entende ser possível a redução da menoridade.[10]

4.1. Qual o sentido da inimputabilidade aos 18 anos?

Quando o constituinte originário criou tal norma estava ele pensando que o menor de 18 anos não possuía discernimento (formação psicobiológica) adequado para receber o tratamento semelhante aos maiores quando cometesse atos definidos como crime pela legislação penal.

Havia uma previsão objetiva de inimputabilidade aos 18 anos, seguindo a tendência do Código Penal de 1940. Claro que já naquela época a análise subjetiva poderia demonstrar que alguns menores de 18 anos já possuíam discernimento para responderem pelos seus atos, mas a opção constitucional pela menoridade objetivamente fixada era razoável, já que a maioria ainda estava psicologicamente incapaz de se sujeitar à legislação comum.

Acontece que não apenas cedendo aos anseios daqueles que clamam por justiça num ou noutro caso concreto, temos que admitir: A sociedade mudou!

Acreditamos que hoje o acesso à informação e mesmo a maturidade sobre o lícito e o ilícito não são os mesmos da década de 80. Há trinta anos, quando a sociedade brasileira conclamava por novas normas constitucionais – quando em 1985 foi feita a promessa de convocação de uma Assembleia Constituinte – os jovens de 16 e 17 anos poderiam sim precisar de uma proteção mais efetiva e, por isso, era razoável. Mas hoje? Não há como pensarmos que os valores são os mesmos.

Mesmo no seio da Assembleia Constituinte alguns paradoxos se levantavam. O constituinte entende que crianças pudessem ser parte no contrato de trabalho como aprendiz e aos 16 anos o jovem já pode ser um trabalhador praticamente igual a qualquer outro. Veja a disposição sobre a idade para o trabalho (conforme estava no texto original):

Art. 7º.

...

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz;

Para se ajustar a disposições de proteção do menor trabalhador, a EC 20/98 ajustou a redação para proibir o trabalho aos menores de 14 anos, conforme:

Art. 7º.

...

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Também gera perplexidade a questão de um jovem de 16 anos poder votar (decidir sobre a condução política do País) e não se admitir que ele se sujeite à legislação penal comum. Veja a disposição constitucional:

Art. 14.

...

§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:

...

II - facultativos para:

...

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

O debate sobre a redução da maioridade civil também vem de encontro ao tema aqui debatido. Há pouco mais de 10 anos o legislador reduzia a maioridade civil de 21 anos para 18 anos e o grande argumento era o maior acesso à informação, a maior capacidade de decisão dos jovens e a maior maturidade que os tempos modernos trazem. Sendo que mesmo antes dos 18 anos já é possível que um jovem de 16 anos possa contrair casamento, abrir empresa e outros atos da vida civil se houver a emancipação.

4.2. Possibilidade da redução da maioridade

Neste caso que estamos analisando tema que ainda não passou pela manifestação do STF. A dúvida permanece: Poderia ser feita a diminuição da imputabilidade penal?

Aqueles que se posicionam contrários à mudança argumentam, entre outros aspectos, que a redução seria inconstitucional por atingir cláusula pétrea. Já nos posicionamos sobre a premissa que cláusulas pétreas não trazem uma imutabilidade absoluta das disposições constitucionais, principalmente, em se tratando de direitos fundamentais, é possível a alteração que mantenha a essência, ou seja, é permitido que, com razoabilidade e proporcionalidade, um direito sofra uma conformação para se ajustar ao imperativo de convivência harmônica em sociedade.

Argumentar que a discussão não pode prosseguir por se tratar de cláusula pétrea seria impedir qualquer debate acerca do tema. Ainda que seja para defender a manutenção da menoridade aos 18 anos, temos que admitir a possibilidade de a discussão prosseguir sem achar que se está afrontando cláusula pétrea.

Segundo Manoel Gonçalves (2005, p. 243):

... estes princípios [direitos fundamentais], desde que não sejam eliminados, podem ter o seu regime de aplicação alterado, sem que se infrinja a proibição. Com efeito, como aponta Alexy, uma restrição só afeta o “conteúdo essencial” de um direito, portanto, o abole indiretamente, “quando não é adequada, não é necessária ou é desproporcionada em sentido estrito”.[11]

Argumentar que há uma intangibilidade absoluta é tão absurdo quanto argumentar que a redução de apenas um dia na menoridade seria inconstitucional. Então, qual seria o núcleo essencial da inimputabilidade?

Concordamos com o parecer que se tornou o voto condutor contrário ao relator na CCJC:

Ademais, se se considerar que existe cláusula pétrea no art. 228, ela incide no instituto da maioridade penal, e não, como querem alguns, na idade de 18 anos. Explico: o que não se pode abolir (ou tender abolir) é o instituto da maioridade penal. A Constituição permite sim a alteração da idade mínima criminal, mas veda que essa alteração tenda a abolir o instituto da maioridade (por exemplo: reduzir para 5 anos a idade mínima para o processo penal – isso sim tenderia abolir cláusula pétrea).[12]

Em outras palavras, uma emenda que estabelece a mera e simples revogação do Art. 228 atingiria o núcleo essencial da proteção, uma emenda que reduza de forma desarrazoada a idade da menoridade (para 5 anos como argumentou o relator) é fatalmente fadada à inconstitucionalidade por flagrante afronta à cláusula pétrea. Mas a redução para 16 anos não nos parece invadir o núcleo essencial da proibição. Vamos investigar melhor o tema da inimputabilidade penal e outros argumentos contrários à redução.

5.       Outros argumentos contrários à redução e suas inconsistências

5.1. A imputação a partir dos 16 anos não vai reduzir a violência

Realmente NÃO, e não sejamos ingênuos para achar que a redução da maioridade poderá trazer benefícios concretos em termos de redução dos crimes ou mesmo dos crimes praticados por menores.

É claro que a alteração legislativa “malam partem” quase sempre é a última possibilidade que deve ser usada como forma de se conseguir resultados concretos. Piro, a redução não traz garantia de benefícios nesse tema.

Obviamente concordamos que a legislação atual, o Estatuto da Criação e do Adolescente (ECA), já traria solução “suficiente” para a causa da prática de atos infracionais se esse estatuto fosse efetivamente aplicado. Nem cogitamos em refutar o argumento que o certo seria o investimento em educação, melhoria das condições sociais, a progressiva e efetiva cidadania. Não sou expert sobre a legislação especial (ECA) mas sei como senso comum que é uma lei bastante avançada e que se efetivamente posta em prática poderia trazer grandes benefícios aos jovens infratores.

Porém, enquanto o Estado não age nas frentes que combateriam as causas, temos que pensar: Mesmo que não traga o benefício de reduzir a criminalidade, é certo (justo, adequado, proporcional, razoável...) reduzirmos a menoridade?

5.2. É razoável a redução para 16 anos?

Sim, mas entendemos que a razoabilidade da medida depende de uma combinação: Reduzir-se a menoridade para 16 anos apenas para os crimes mais graves, ou seja, serão imputáveis para os crimes hediondos (ou para crimes mais graves definidos em lei). Então haveria uma espécie de “escala” de imputabilidade. Para os crimes mais graves seriam imputáveis os maiores de 16 anos. Os maiores de 18 anos seriam imputáveis para todos os crimes.

Como argumentamos acima, não há mais que se cogitar da falta de discernimento dos atuais adolescentes de 16 e 17 anos, como aceitar que um adolescente de 16 anos não saiba que matar alguém é crime? Sem falarmos em crimes como sequestro, extorsão, assalto à mão armada e até mesmo estupro...

Vivemos na sociedade da informação, não estamos falando de um jovem ser condenado a qualquer crime, mas também é inaceitável do ponto de vista intelectual imaginar que um adolescente de 17 anos mate uma pessoa um dia antes de completar 18 anos em frente a uma câmera argumentando que “estou te matando hoje porque amanhã eu já não posso fazer isso”. A divulgação do que é lícito e ilícito é patente, é de fácil acesso e assimilação aos jovens de 16 e 17 anos.

Acredito que não reconhecer a ilicitude de condutas graves para um jovem de 16 ou 17 anos é uma patologia que deve ser reconhecida assim como para os maiores de 18 anos, ou seja, a falta de discernimento ainda poderia ser verificada no caso concreto com base no argumento da inimputabilidade por “doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado” como reza o Art. 26 do Código Penal.

5.3. Não iríamos “formar” bandidos mais perigosos na “universidade do crime”?

Outro argumento em prol da manutenção da menoridade aos 18 anos conforme está estabelecido na Constituição é que as atuais prisões são verdadeiras escolas do crime e portanto seria incorreto submeter um jovem à “universidade do crime”. A cadeia vai torná-lo pior, não trará a finalidade da ressocialização da pena.

Reflitamos sobre esse argumento: Nesse caso então estão dizendo que também é injusto submeter o maior (com 19 anos, por exemplo) à imputabilidade porque uma eventual condenação ao regime de reclusão irá torna-lo ainda pior.

Sinceramente, se o nosso sistema penal/prisional está falido para receber adolescentes de 16 e 17 anos também está para receber adultos de 18, 19, 20...

O argumento contrário continua válido, é mais injusto conviver com tais pessoas perigosas e inadequadas para o convívio social! Lembram-se do caso do juiz que mandou soltar presos (adultos) porque a prisão era desumana? Foram quase uníssonas as vozes contrárias à conduta do magistrado, portanto, se é aceitável colocar jovens de 18 ou 19 anos em prisões inapropriadas também é justo que ali sejam colocados jovens de 16 ou 17 anos que cometerem crimes graves.

Outro ponto que merece reflexão é que há um descumprimento generalizado das disposições constitucionais relativas aos direitos dos presos. Se nos atentarmos para o que reza a Constituição Federal, citando apenas alguns dos dispositivos que se referem diretamente ou indiretamente aos presos:

Art. 5º.

...

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

...

XLVII - não haverá penas:

...

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; (grifo nosso)

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Portanto, a questão de a prisão de jovens não seria correto porque isso poderia levá-los a sair mais perigosos não é uma questão de maioridade ou menoridade, mas de falência do Estado no que se refere ao tratamento destinados aos presos em geral.

5.4. “Apenas jovens pobres (ou pobres e negros) seriam prejudicados...”

Outro argumento que não tem como ser sustentado. Então atualmente os maiores de 18 anos que são presos também não são, normalmente, pobres, ou pior, negros e pobres?

Sabemos da discriminação e da segregação que já existe na sociedade brasileira. A redução da maioridade não vai resolver, não vai atenuar, mas também não vai aumentar esse problema.

Mais uma vez afirmamos que a redução não será a solução de todos os males, muito menos uma solução para o problema da discriminação, mas a redução da maioridade é uma questão de adequação das normas aos novos tempos.

Temos ainda que combater a exclusão social como forma de atingir as causas do problema, mas indiferente a isso, ainda entendemos ser justo readequar a maioridade para os 16 anos nos casos dos crimes mais graves.

5.5. E nossos presídios estão prontos para receber essa nova “população” carcerária?

Não, não estão. Porém, a questão não é a alteração do sistema prisional e sim o da imputabilidade dos jovens de 16 e 17 anos. As estatísticas demonstram que os atuais inimputáveis que estão submetidos a medidas socioeducativas por terem praticado atos infracionais é de apenas cerca de 3%, portanto, não é a imputabilidade aos 16 anos que irá gerar uma superpopulação carcerária no Brasil.

Novamente, falta uma atuação séria do Estado brasileiro para o problema do sistema carcerário, tanto é que há uma CPI sobre o tema na Câmara dos Deputados.

Porém, se o problema for apenas o excesso de presos proporemos a descriminalização de vários tipos penais, ou mesmo a adoção mais efetiva de penas alternativas, mas isso não pode ser um empecilho a discussão da menoridade.

5.6. A imputabilidade traria penas elevadas dificultando a ressocialização

Também não é verdade. Atualmente se um jovem de 18 anos recebe uma pena “normal” de 20 anos, por exemplo, poderá receber a progressão de regime após cumprir cerca de 3 anos e meio de pena. Ou seja, existe a possibilidade de, sendo um preso de bom comportamento, cumprir uma parcela bem pequena da pena e já vir a ser beneficiado pelo instituto da progressão de regimes.

Não há grandes diferenças em se apenar um jovem de 18 e um de 17 anos para fins de ressocialização. Pode até mesmo a legislação ser alterada para permitir uma progressão de regimes mais rápida.

6.       Controle de constitucionalidade das PECs

6.1. Controle concreto preventivo de constitucionalidade das PECs

Muito embora nos posicionemos favoráveis à discussão da PEC 171/93 é sabido que há quem queira obstar o debate, inclusive por meio de controle de constitucionalidade preventivo. Surge uma dúvida: É possível o controle preventivo de constitucionalidade de uma proposta de emenda à Constituição?

Embora uma PEC ainda não seja norma jurídica a jurisprudência consolidada da Suprema Corte é pela aceitação de controle de constitucionalidade da proposta. Entende o STF que contra a proposta de emenda que esteja tramitando em desacordo com o procedimento fixado no Art. 60[13] da CF, pode ser proposto Mandado de Segurança (MS). O remédio é cabível sob o argumento de que um parlamentar tem o direito líquido e certo de não participar de uma reunião ou sessão (reunião de Comissão ou Sessão do plenário da casa legislativa) em que esteja sendo discutida matéria evidentemente contrária às cláusulas pétreas.

Cabe ressaltar que apenas o parlamentar pode impetrar tal remédio já que apenas ele pode alegar que possui direito líquido e certo contra o indevido processo legislativo de alteração da Constituição que já seja (o próprio processo legislativo) inconstitucional.

O julgamento do Mandado de Segurança pelo STF, se procedente, evita que se crie a norma inconstitucional e por isso é considerado controle concreto de constitucionalidade preventivo por via judicial. Veja julgados do STF:

O Supremo Tribunal Federal admite a legitimidade do parlamentar — e somente do parlamentar — para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo. Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Ministro Moreira Alves (leading case) (RTJ 99/1031); MS 20.452/DF, Ministro Aldir Passarinho (RTJ 116/47); MS 21.642/DF, Ministro Celso de Mello (RDA 191/200); MS 24.645/DF, Ministro Celso de Mello, DJ de 15.09.2003; MS 24.593/DF, Ministro Maurício Corrêa, DJ de 08.08.2003; MS 24.576/DF, Ministra Ellen Gracie, DJ de 12.09.2003; MS 24.356/DF, Ministro Carlos Velloso, DJ de 12.09.2003. (grifo nosso)[14]

Outro julgado:

Emenda constitucional: limitações materiais (cláusulas pétreas); controle jurisdicional preventivo (excepcionalidade); a proposta de reforma previdenciária (PEC 33-I), a forma federativa de Estado (CF, art. 60, §1º) e os direitos adquiridos (CF, art. 60, §4º, IV, c/c art. 5º, 36): alcance das cláusulas invocadas: razões do indeferimento da liminar.[15]

Gilmar Mendes e Outros (2007, p.211) afirmam que:

...o Supremo Tribunal decidiu ser cabível o mandado de segurança em que se ataque proposta de emenda constitucional desrespeitosa de cláusula pétrea, apontando-se que a inconstitucionalidade já existe antes de a proposta se transformar em emenda, uma vez que o seu próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a Constituição. [16]

Portanto, o controle é possível de ser instaurado e, cremos até possível (embora não provável) que haja julgamento favorável da Suprema Corte determinando a paralização do debate em torno da PEC 171/93.

Entendemos não ser provável pelos argumentos já esposados de que ainda que o STF reconheça uma eventual inconstitucionalidade da EC que venha a ser aprovada, não é lícito interromper o debate em matéria que não seja flagrantemente contrária à cláusula pétrea, como se restou demonstrado.

6.2. Controle abstrato preventivo de constitucionalidade das PECs

Já o controle abstrato preventivo se mostra incabível. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) jamais poderá ser proposta contra uma norma ainda em formação, isto é, contra uma PEC. O controle preventivo não pode ser feito em abstrato de forma direta no STF. Veja a decisão do STF[17] sobre o tema:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INSTITUIÇÃO DA PENA DE MORTE MEDIANTE PRÉVIA CONSULTA PLEBISCITÁRIA – LIMITAÇÃO MATERIAL EXPLÍCITA DO PODER REFORMADOR DO CONGRESSO NACIONAL (ART. 60, §4º, IV) – INEXISTÊNCIA DE CONTROLE PREVENTIVO ABSTRATO (EM TESE) NO DIREITO BRASILEIRO – AUSÊNCIA DE ATO NORMATIVO – NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA. – O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou - como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite - o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal. Atos normativos in fieri, ainda em fase de formação, com tramitação procedimental não concluída, não ensejam e nem dão margem ao controle concentrado ou em tese de constitucionalidade, que supõe – ressalvadas as situações configuradoras de omissão juridicamente relevante – a existência de espécies normativas definitivas, perfeitas e acabadas. Ao contrário do ato normativo – que existe e que pode dispor de eficácia jurídica imediata, constituindo, por isso mesmo, uma realidade inovadora da ordem positiva –, a mera proposição legislativa nada mais encerra do que simples proposta de direito novo, a ser submetida à apreciação do órgão competente, para que de sua eventual aprovação, possa derivar, então, a sua introdução formal no universo jurídico. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem refletido claramente essa posição em tema de controle normativo abstrato, exigindo, nos termos do que prescreve o próprio texto constitucional – e ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade por omissão – que a ação direta tenha, e só possa ter, como objeto juridicamente idôneo, apenas leis e atos normativos, federais ou estaduais, já promulgados, editados e publicados. – A impossibilidade jurídica de controle abstrato preventivo de meras propostas de emenda não obsta a sua fiscalização em tese quando transformadas em emendas à Constituição. Estas – que não são normas constitucionais originárias – não estão excluídas, por isso mesmo, do âmbito do controle sucessivo ou repressivo de constitucionalidade. O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art. 60, §1º), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no §4º do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de constitucionalidade.

Então, parlamentares que desejam se insurgir contra a discussão da matéria devem propor Mandado de Segurança e não procurar um legitimado para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

7.       Conclusão

1.       Vimos que o recebimento pela Mesa da Casa e a determinação do Presidente da Casa (Câmara Federal) que a matéria fosse encaminhada à CCJC já foi uma primeira aceitação quanto a PEC 171/93.

2.       a CCJC agiu bem ao aceitar o prosseguimento do debate e entender que a matéria não é flagrantemente inconstitucional. A admissibilidade pela CCJC, em nosso entendimento é correta, constitucional, jurídica e regimentalmente.

3.       Os próximos passos que a PEC ainda tem que passar na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para se transformar efetivamente em uma Emenda Constitucional, qual seja, na Câmara ser discutida em Comissão Especial e ser votada em dois turnos e aprovada por três dos votos do plenário.

4.       O sentido do termo cláusulas pétreas e suas complicações, principalmente a expressão “tendente a abolir” e a proteção ao núcleo essencial. Cláusulas pétreas não são matérias absolutamente intocáveis ou [sic] imexíveis. Já demonstramos que as cláusulas pétreas não tornam nenhum dispositivo constitucional imutável.

5.       Embora a inimputabilidade possa ser sim considerada como parte do núcleo essencial “dos direitos e garantias individuais” (não é pacífico, mas nos posicionamos favoráveis nesse quesito), ainda assim a redução para 16 anos nos crimes mais graves é justa, razoável, proporcional, adequada, necessária e atende aos ditames de uma sociedade com valores e visões relativamente diferentes das de 1988.

6.       Refutamos os argumentos de que uma eventual redução da menoridade não reduziria a violência, que na maior parte das vezes são apenados jovens pobres ou pobres e negros, que os presídios acabam sendo “universidades do crime”, que já há uma superpopulação carcerária e, por fim, que dificultaria a ressocialização; tais argumentos são, no mínimo, inconsistentes frente ao problema real: os atuais jovens de 16 ou 17 anos são capazes de discernir, principalmente quando se trata de crimes como homicídio, estupro, sequestro, roubo..., entre o lícito e o ilícito.

7.       Parlamentares que são contrários à discussão da proposta ainda podem recorrer ao STF por meio de mandado de segurança alegando o direito líquido e certo de não participar do processo legislativo que seja inconstitucional, sendo que tal remédio instaura um controle concreto e preventivo de constitucionalidade.

 



[1] Importante ressaltar que o Regimento Interno do SF (RISF) trata a questão de forma distinta. No Senado Federal é a própria Comissão de Constituição de Justiça que discute e dá parecer sobre as propostas de alteração da Constituição (PECs). Ver Art. 91, §1º, V, “c” e Art. 356 do RISF.

[2] Basicamente, apenas o Manoel Gonçalves Ferreira Filho (FERREIRA FILHO, Manoel G. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 37 e 175) entende que a CF de 1988 não foi fruto do Poder Constituinte originário justamente pela transição pacífica, já que foi prevista como uma Emenda à Constituição de 1967/1969.

[3] A ilimitação é sob o enfoque jurídico, ou seja, apenas quanto ao ordenamento jurídico interno.

[4] Santos, André Alencar dos. PODER CONSTITUINTE: Criação, reforma e mutação da Constituição à luz da Doutrina e da Jurisprudência. Pág 24

[5] Santos, André Alencar dos. PODER CONSTITUINTE: Criação, reforma e mutação da Constituição à luz da Doutrina e da Jurisprudência. Pág 69

[6] ADI 2.024, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 03.05.2007, DJ de 22.06.2007.

[7] MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. São Paulo, 2007.

[8] STF, ADIn-MC 2.024.

[9] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada: E Legislação Constitucional. Ed. Atlas, 5ª edição, São Paulo, 2005. p. 2176.

[10] Nucci, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 109.

[11] FERREIRA FILHO, Manoel G. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

[13] Inclusive se a proposta tiver por objeto a abolição de matérias protegidas como cláusulas pétreas (Art. 60, §4º)

[14] STF, MS 24.667-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 04.12.2003, DJ de 23.04.2004.

[15] STF, MS 23.047-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 11.02.1998, DJ de 14.11.2003.

[16] MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. São Paulo, 2007.

[17] ADI 466 / DF, Re. Min. Celso de Mello, julgamento em 03.04.1991.