REFORMA
POLÍTICA E A HIPERFRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS: Alguns
aspectos importantes
André Alencar dos Santos
Abril de 2015
INTRODUÇÃO
O Brasil
passou de um regime de bipartidarismo forçado durante o regime militar para um
sistema multipartidário excessivamente fragmentado já na década de 1980. A
legislação do período de transição trouxe certa flexibilidade e até certa
facilidade para a criação de partidos políticos. Podemos dizer que a
Constituição de 1988 foi influenciada pelo lado positivo de se estar novamente
num regime pluripartidarista.
A
Constituição de 1988 previu grande autonomia e liberdade para o desenvolvimento
do pluripartidarismo:
Art. 1º A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
...
V - o pluralismo político.
...
Art. 17. É livre a criação, fusão,
incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania
nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
...
A partir da
década de 1990 o multipartidarismo se converte em um sistema (se é que se pode
falar em sistema) amontoado e fragmentado de partidos que iremos denominar de hiperfragmentação. Algumas vozes se insurgiram dentro dos
meios políticos contra o excesso de partidos e começam a pregar modificações na
legislação eleitoral, chegando até mesmo a se falar em reforma política logo
após a recém-aprovada Constituição Federal de 1988.
Atualmente há
uma forte tendência de se alterar o sistema partidário. Há várias propostas sendo
discutidas na Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados que
podem causar impactos no atual sistema partidário, trataremos de três que ao nosso ver impactam mais diretamente:
1)
Modificar regras
específicas sobre a possibilidade de criação de novos partidos, estabelecendo
mecanismos mais rígidos;
2)
(Re)Instituir cláusula de barreira ou de desempenho para
impedir o funcionamento parlamentar (e o acesso à rádio/TV e fundo partidário) para
partidos que não alcançarem percentual mínimo de votos para a eleição de
Deputados Federais.
3)
Modificar o
sistema eleitoral impedindo as coligações de partidos nas eleições
proporcionais.
As propostas
são tendentes a trazer uma diminuição no número de partidos, principalmente no
número de partidos representados na Câmara dos Deputados. Vejamos com mais
propriedade esses temas.
CRIAÇÃO DE NOVOS PARTIDOS
Percebe-se
nas discussões sobre a reforma política que há um relativo consenso de que as
atuais regras de criação de partidos políticos previstas na Lei nº 9.096/95
(Lei dos Partidos Políticos) são muito flexíveis, portanto seu enrijecimento é
benéfico para o sistema.
Já em 2015 o
Congresso Nacional aprovou lei que não mais permite o “apoiamento”
de pessoas que já sejam filiadas a partidos políticos. Vejamos a atual norma
que fixa o “apoiamento mínimo” para se registar um
partido junto ao TSE:
Art. 7º O partido político, após adquirir
personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal
Superior Eleitoral.
§ 1º Só é admitido o registro do estatuto de
partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele
que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a
partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento)
dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não
computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por 1/3 (um terço), ou
mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado
que haja votado em cada um deles. (Redação dada pela Lei nº 13.107, de 2015)
§ 2º Só o partido que tenha registrado seu
estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do processo eleitoral,
receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à
televisão, nos termos fixados nesta Lei.
§ 3º Somente o registro do estatuto do partido
no Tribunal Superior Eleitoral assegura a exclusividade da sua denominação,
sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que
venham a induzir a erro ou confusão.
Há outras
propostas que ainda são muito variadas e difusas: Aumentar o número de
assinaturas, exigir uma pré-filiação dos apoiadores,
exigir número mínimo de filiados para o registro de candidaturas... Por
enquanto vamos aguardar o amadurecimento dessas discussões.
CLÁUSULA DE BARREIRA OU CLÁUSULA DE DESEMPENHO
Enquanto a
questão anterior tratava-se da criação de partidos, a questão agora é
“inviabilizar” alguns dos partidos já existentes por terem baixo desempenho. O
critério seria o percentual de votos para a eleição da Câmara dos Deputados.
Há vários argumentos
que poderiam ser usados contra a instituição de cláusula de
desempenho, um deles é o de que os partidos sempre começariam “pequenos”
normalmente elegendo representantes nas casas legislativas municipais e
estaduais para só então conseguir, em pleitos subsequentes, a eleição de
mandatários para a Câmara dos Deputados e a cláusula de barreira impediria essa
possibilidade por fulminar os partidos ainda “jovens” retirando deles o
funcionamento parlamentar, o acesso ao programa gratuito no rádio e TV e
recursos do fundo partidário. Outro argumento é que já existe cláusula de
barreira, o quociente eleitoral previsto no sistema eleitoral proporcional já é
uma cláusula de barreira que impede os partidos de elegerem candidatos se não
tiverem expressiva votação. Além do mais, outra regra que está em discussão é a
distribuição das sobras no cálculo do quociente partidário. Quando há sobras apenas partidos que tenham atingido um quociente
eleitoral podem participar da divisão.
O Congresso
Nacional aprovou a criação de cláusula de barreira - Art. 13 da Lei nº 9.096/95.
O dispositivo impedia o funcionamento parlamentar, em todas as casas
legislativas para as quais tenha elegido representante, de partido que não
obtivesse, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os
brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço do total de cada um
deles. A cláusula foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ADIs 1351 e 1354.
Atualmente
se pensa em recriar a cláusula de barreira com percentuais mais módicos. Mas
será que mesmo mais tênue não estaria incidindo no mesmo vício de
inconstitucionalidade?
A FIDELIDADE PARTIDÁRIA E A CONTRIBUIÇÃO PARA A HIPERFRAGMENTAÇÃO
PARTIDÁRIA
Uma das
grandes críticas ao excesso de partidos estava nas chamadas “legendas de
aluguel”. A facilidade com que se mudava de partidos no Brasil veio a se tornar
algo inaceitável e insustentável, os partidos não tinham nenhum controle sobre a
manutenção de seus eleitos em seus quadros.
Em 2007 foi
feita uma Consulta ao TSE (Consulta nº 1.398/07) sobre se a troca de legenda não
seria uma abdicação do mandato tendo em vista ser o mandato do partido e não do
candidato. O TSE respondeu afirmativamente, entendeu que a necessidade de se
manter “fiel” ao partido não precisa estar expressa na CF ou na lei porque
derivaria do sistema constitucional, assim a desfiliação (por exemplo: troca de
partidos sem justa causa) geraria a perda do mandato. O STF foi acionado nos MS
26.602, 26.603 e 26.604 e entendeu como o TSE pela fidelidade partidária. O TSE
regulamentou a questão por meio das Resoluções 22.610/07 e 22.753/08 estendendo
inclusive a necessidade de fidelidade para os mandatários eleitos pelo sistema
majoritário. O STF novamente confirmou a orientação do TSE por meio das ADIs 3.999 e 4.086.
O problema gerado,
quase que um efeito colateral, é que uma das “justas causas” admitida na
Resolução do TSE para permitir a troca de partido sem perder o mandato seria a
constituição de novo partido político (assim surgiram grandes e pequenas
legendas partidárias, como o PSD). Diz-se no meio político que “é melhor ser
cabeça de sardinha do que cauda de baleia” para justificar que muitos
mandatários preferem ser líder de pequenas agremiações políticas e assim gozar
de várias prerrogativas regimentais (RICD) do que ser “mais um” em uma grande
legenda partidária.
Então, a
fidelidade partidária, instituída por determinação judicial, que tinha o
objetivo de fortalecer os partidos acabou sendo mais um empuxo para a criação
de novos partidos e aumentando ainda mais a hiperfragmentação
partidária.
COLIGAÇÕES PROPORCIONAIS E A PROPOSTA DE FEDERAÇÕES PARTIDÁRIAS
Outra grande
questão política que acabou tendo um deslinde no Judiciário foi a questão das coligações eleitorais, o TSE entendeu por meio
da Resolução 21.702/02 que os partidos não estariam livres para estabelecer seu
regime de coligações (“Verticalização das coligações”) e tal interpretação,
segundo chancela do STF na ADI 3.345, aplicar-se-ia já às eleições daquele ano.
Em 2006 o
Congresso Nacional aprovou Emenda Constitucional (EC 52/06) estabelecendo a
“liberdade” para o regime de coligações e o STF confirmou a constitucionalidade
(ADI 3.685) de tal Emendas, porém determinando a
aplicação somente para as eleições seguintes (em razão do princípio da
anualidade eleitoral), veja a atual redação da norma constitucional alterada
pela EC 52/06:
Art. 17. É livre a criação, fusão,
incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania
nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
...
§ 1º É assegurada aos partidos políticos
autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e
para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais,
sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional,
estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006)
...
É fato que o
regime de coligações nas eleições proporcionais oferece maior probabilidade de
partidos pequenos elegerem seus representantes, porém, a hiperfragmentação
atual verificada na Câmara dos Deputados (são 28 partidos com representação e
funcionamento parlamentar na Casa) tem gerado críticas acerca da
impraticabilidade de tal sistema.
Atualmente
se discute novamente mudar o regime de coligações, porém, dessa vez para se
restringir coligações. A proposta que parece ter grande aceitação é de se
proibir coligações em eleições proporcionais.
Um argumento
válido em favor da proibição é que tais coligações permitem que os votos dos
eleitores sejam “aproveitados” por candidatos ou partidos de ideologias diferentes
àquela deseja pelo eleitor. Porém, entendemos que há outras formas de se
combater essa eleição “indesejada” que não seja atingindo a liberdade de
coligações.
Outro argumento
(esse, bastante discutível) é que o excesso de partidos prejudica a
governabilidade. Porém, estudos de cientistas políticos não chegam a consenso
sobre o quanto a existência de pequenas representações no Parlamento
efetivamente afetam a governabilidade. “Já não parece tão claro que o grau de
fragmentação atualmente observado no sistema partidário conduza a um regime
político insustentável.[1]”
Advertimos,
no entanto, que mesmo que se queria proibir as coligações em eleições
proporcionais, a proposta dificilmente será aceita. Entendemos que a
constitucionalização do tema da “liberdade das coligações” por meio da EC 52/06
tende a gerar uma imensa dificuldade de implantação da alteração do tema. A
questão demanda nova emenda constitucional (ao Art. 17 §1º da CF) e é sabido
que várias tentativas de reformas políticas mal conseguiram quórum de maioria
absoluta para alterar o Código Eleitoral, quiçá agora alterar a Constituição
por meio de quórum qualificado de 3/5 dos votos em dois turnos de discussão e
votação.
Uma proposta
alternativa ao fim das coligações para disputas proporcionais é a criação da
“federação partidária” que não se difere abruptamente das atuais coligações. A
principal diferença é que os partidos “federalizados” deverão obedecer à
“verticalização” e também devem se manter unidos e atuando unidos durante toda
a legislatura. Mas, como ressaltamos acima, a questão depende de reforma
constitucional.
CONCLUSÃO
Não há
consenso na atual comissão de reforma política e nem mesmo nas tentativas anteriores
de reforma se é realmente necessário diminuir o número de partidos
representados na Câmara dos Deputados, muito embora o Brasil demonstre ser o
país com maior número de partidos representados no Parlamento.
O que tem se
mostrado consenso é a necessidade de se combater a corrupção em todas as suas
vertentes, principalmente, a corrupção no sistema eleitoral e no financiamento
das campanhas.
E a mudança
na forma de financiamento das campanhas pode alterar o atual quadro partidário
no Brasil? Embora esse assunto mereça outras considerações, vejamos o que nos
diz Márcio Nuno Rabat[2]:
“No que diz respeito aos interesses dos
pequenos partidos, há certa ambiguidade na adoção do financiamento público
exclusivo de campanhas eleitorais como a capacidade de arrecadação de recursos
privados também tende a ser bem inferior nos partidos pequenos, o simples fato
de que uma parcela dos recursos públicos seria distribuída igualitariamente
entre todos os partidos registrados – e parcelas ainda maiores seriam
distribuídas, também igualitariamente, entre os partidos que tenham elegido
representantes nas eleições anteriores da Câmara dos Deputados – torna possível
que, pela proposta do relator, os partidos pequenos, na prática, recebam, proporcionalmente ao que recebem os partidos
grandes, um volume de recursos maior do que têm recebido pelo financiamento
privado. O benefício ou prejuízo para os
pequenos partidos vai depender da capacidade de arrecadação privada que
concretamente eles tenham, comparada com o percentual de recursos que lhes
caberia pelas regras de distribuição de recursos públicos estabelecidas na
futura lei.”
RESUMO
·
Em
poucos anos o Brasil passou do bipartidarismo “forçado” para uma hiperfragmentação partidária;
·
É salutável e imperativo que se estabeleça maior rigidez nas
regras sobre criação de novos partidos. O enrijecimento pode ajudar a reduzir,
mitigar, minimizar ou impedir ainda mais a hiperfragmentação;
·
Cláusula
de barreira ou de desempenho já existe por meio do quociente eleitoral. Criar
barreira para acesso ao fundo partidário e ao rádio e TV pode vir a ser
declarada novamente inconstitucional pelo STF;
·
A
justa causa criada pelo Judiciário como exceção ao princípio da fidelidade
partidária tem contribuído para a hiperfragmentação;
·
A
proibição de coligações em eleições proporcionais pode ser benéfica para
corrigir distorções do sistema eleitoral, porém, bastante prejudicial à atual
liberdade partidária instituída por meio da EC 52/06. Entendemos que há outras
formas de se atingir o mesmo objetivo. De qualquer forma a alteração demanda
nova reforma constitucional que dificilmente encontraria consenso suficiente
nesse tema no atual quadro de hiperfragmentação;
·
Não
se pode prever com segurança se a mudança no financiamento de campanhas trará
efeitos na questão da hiperfragmentação.
[1]
Rabat, Márcio Nuno: Impacto das propostas da comissão da reforma política sobre
os Pequenos partidos. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/10497,
acesso em 22 de abril de 2015.
[2]
Rabat, Márcio Nuno: Impacto das propostas da comissão da reforma política sobre
os Pequenos partidos. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/10497,
acesso em 22 de abril de 2015.
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