quarta-feira, 22 de abril de 2015

REFORMA POLÍTICA E A HIPERFRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS: Alguns aspectos importantes

REFORMA POLÍTICA E A HIPERFRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS: Alguns aspectos importantes

 

André Alencar dos Santos

Abril de 2015

INTRODUÇÃO

O Brasil passou de um regime de bipartidarismo forçado durante o regime militar para um sistema multipartidário excessivamente fragmentado já na década de 1980. A legislação do período de transição trouxe certa flexibilidade e até certa facilidade para a criação de partidos políticos. Podemos dizer que a Constituição de 1988 foi influenciada pelo lado positivo de se estar novamente num regime pluripartidarista.

A Constituição de 1988 previu grande autonomia e liberdade para o desenvolvimento do pluripartidarismo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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V - o pluralismo político.

...

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

...

A partir da década de 1990 o multipartidarismo se converte em um sistema (se é que se pode falar em sistema) amontoado e fragmentado de partidos que iremos denominar de hiperfragmentação. Algumas vozes se insurgiram dentro dos meios políticos contra o excesso de partidos e começam a pregar modificações na legislação eleitoral, chegando até mesmo a se falar em reforma política logo após a recém-aprovada Constituição Federal de 1988.

Atualmente há uma forte tendência de se alterar o sistema partidário. Há várias propostas sendo discutidas na Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados que podem causar impactos no atual sistema partidário, trataremos de três que ao nosso ver impactam mais diretamente:

1)       Modificar regras específicas sobre a possibilidade de criação de novos partidos, estabelecendo mecanismos mais rígidos;

2)       (Re)Instituir cláusula de barreira ou de desempenho para impedir o funcionamento parlamentar (e o acesso à rádio/TV e fundo partidário) para partidos que não alcançarem percentual mínimo de votos para a eleição de Deputados Federais.

3)       Modificar o sistema eleitoral impedindo as coligações de partidos nas eleições proporcionais.

As propostas são tendentes a trazer uma diminuição no número de partidos, principalmente no número de partidos representados na Câmara dos Deputados. Vejamos com mais propriedade esses temas.

CRIAÇÃO DE NOVOS PARTIDOS

Percebe-se nas discussões sobre a reforma política que há um relativo consenso de que as atuais regras de criação de partidos políticos previstas na Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) são muito flexíveis, portanto seu enrijecimento é benéfico para o sistema.

Já em 2015 o Congresso Nacional aprovou lei que não mais permite o “apoiamento” de pessoas que já sejam filiadas a partidos políticos. Vejamos a atual norma que fixa o “apoiamento mínimo” para se registar um partido junto ao TSE:

Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.

§ 1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por 1/3 (um terço), ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles. (Redação dada pela Lei nº 13.107, de 2015)

§ 2º Só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão, nos termos fixados nesta Lei.

§ 3º Somente o registro do estatuto do partido no Tribunal Superior Eleitoral assegura a exclusividade da sua denominação, sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que venham a induzir a erro ou confusão.

Há outras propostas que ainda são muito variadas e difusas: Aumentar o número de assinaturas, exigir uma pré-filiação dos apoiadores, exigir número mínimo de filiados para o registro de candidaturas... Por enquanto vamos aguardar o amadurecimento dessas discussões.

CLÁUSULA DE BARREIRA OU CLÁUSULA DE DESEMPENHO

Enquanto a questão anterior tratava-se da criação de partidos, a questão agora é “inviabilizar” alguns dos partidos já existentes por terem baixo desempenho. O critério seria o percentual de votos para a eleição da Câmara dos Deputados.

Há vários argumentos que poderiam ser usados contra a instituição de cláusula de desempenho, um deles é o de que os partidos sempre começariam “pequenos” normalmente elegendo representantes nas casas legislativas municipais e estaduais para só então conseguir, em pleitos subsequentes, a eleição de mandatários para a Câmara dos Deputados e a cláusula de barreira impediria essa possibilidade por fulminar os partidos ainda “jovens” retirando deles o funcionamento parlamentar, o acesso ao programa gratuito no rádio e TV e recursos do fundo partidário. Outro argumento é que já existe cláusula de barreira, o quociente eleitoral previsto no sistema eleitoral proporcional já é uma cláusula de barreira que impede os partidos de elegerem candidatos se não tiverem expressiva votação. Além do mais, outra regra que está em discussão é a distribuição das sobras no cálculo do quociente partidário. Quando há sobras apenas partidos que tenham atingido um quociente eleitoral podem participar da divisão.

O Congresso Nacional aprovou a criação de cláusula de barreira - Art. 13 da Lei nº 9.096/95. O dispositivo impedia o funcionamento parlamentar, em todas as casas legislativas para as quais tenha elegido representante, de partido que não obtivesse, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço do total de cada um deles. A cláusula foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ADIs 1351 e 1354.

Atualmente se pensa em recriar a cláusula de barreira com percentuais mais módicos. Mas será que mesmo mais tênue não estaria incidindo no mesmo vício de inconstitucionalidade?

A FIDELIDADE PARTIDÁRIA E A CONTRIBUIÇÃO PARA A HIPERFRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA

Uma das grandes críticas ao excesso de partidos estava nas chamadas “legendas de aluguel”. A facilidade com que se mudava de partidos no Brasil veio a se tornar algo inaceitável e insustentável, os partidos não tinham nenhum controle sobre a manutenção de seus eleitos em seus quadros.

Em 2007 foi feita uma Consulta ao TSE (Consulta nº 1.398/07) sobre se a troca de legenda não seria uma abdicação do mandato tendo em vista ser o mandato do partido e não do candidato. O TSE respondeu afirmativamente, entendeu que a necessidade de se manter “fiel” ao partido não precisa estar expressa na CF ou na lei porque derivaria do sistema constitucional, assim a desfiliação (por exemplo: troca de partidos sem justa causa) geraria a perda do mandato. O STF foi acionado nos MS 26.602, 26.603 e 26.604 e entendeu como o TSE pela fidelidade partidária. O TSE regulamentou a questão por meio das Resoluções 22.610/07 e 22.753/08 estendendo inclusive a necessidade de fidelidade para os mandatários eleitos pelo sistema majoritário. O STF novamente confirmou a orientação do TSE por meio das ADIs 3.999 e 4.086.

O problema gerado, quase que um efeito colateral, é que uma das “justas causas” admitida na Resolução do TSE para permitir a troca de partido sem perder o mandato seria a constituição de novo partido político (assim surgiram grandes e pequenas legendas partidárias, como o PSD). Diz-se no meio político que “é melhor ser cabeça de sardinha do que cauda de baleia” para justificar que muitos mandatários preferem ser líder de pequenas agremiações políticas e assim gozar de várias prerrogativas regimentais (RICD) do que ser “mais um” em uma grande legenda partidária.

Então, a fidelidade partidária, instituída por determinação judicial, que tinha o objetivo de fortalecer os partidos acabou sendo mais um empuxo para a criação de novos partidos e aumentando ainda mais a hiperfragmentação partidária.

COLIGAÇÕES PROPORCIONAIS E A PROPOSTA DE FEDERAÇÕES PARTIDÁRIAS

Outra grande questão política que acabou tendo um deslinde no Judiciário foi a questão das coligações eleitorais, o TSE entendeu por meio da Resolução 21.702/02 que os partidos não estariam livres para estabelecer seu regime de coligações (“Verticalização das coligações”) e tal interpretação, segundo chancela do STF na ADI 3.345, aplicar-se-ia já às eleições daquele ano.

Em 2006 o Congresso Nacional aprovou Emenda Constitucional (EC 52/06) estabelecendo a “liberdade” para o regime de coligações e o STF confirmou a constitucionalidade (ADI 3.685) de tal Emendas, porém determinando a aplicação somente para as eleições seguintes (em razão do princípio da anualidade eleitoral), veja a atual redação da norma constitucional alterada pela EC 52/06:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

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§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006)

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É fato que o regime de coligações nas eleições proporcionais oferece maior probabilidade de partidos pequenos elegerem seus representantes, porém, a hiperfragmentação atual verificada na Câmara dos Deputados (são 28 partidos com representação e funcionamento parlamentar na Casa) tem gerado críticas acerca da impraticabilidade de tal sistema.

Atualmente se discute novamente mudar o regime de coligações, porém, dessa vez para se restringir coligações. A proposta que parece ter grande aceitação é de se proibir coligações em eleições proporcionais.

Um argumento válido em favor da proibição é que tais coligações permitem que os votos dos eleitores sejam “aproveitados” por candidatos ou partidos de ideologias diferentes àquela deseja pelo eleitor. Porém, entendemos que há outras formas de se combater essa eleição “indesejada” que não seja atingindo a liberdade de coligações.

Outro argumento (esse, bastante discutível) é que o excesso de partidos prejudica a governabilidade. Porém, estudos de cientistas políticos não chegam a consenso sobre o quanto a existência de pequenas representações no Parlamento efetivamente afetam a governabilidade. “Já não parece tão claro que o grau de fragmentação atualmente observado no sistema partidário conduza a um regime político insustentável.[1]

Advertimos, no entanto, que mesmo que se queria proibir as coligações em eleições proporcionais, a proposta dificilmente será aceita. Entendemos que a constitucionalização do tema da “liberdade das coligações” por meio da EC 52/06 tende a gerar uma imensa dificuldade de implantação da alteração do tema. A questão demanda nova emenda constitucional (ao Art. 17 §1º da CF) e é sabido que várias tentativas de reformas políticas mal conseguiram quórum de maioria absoluta para alterar o Código Eleitoral, quiçá agora alterar a Constituição por meio de quórum qualificado de 3/5 dos votos em dois turnos de discussão e votação.

Uma proposta alternativa ao fim das coligações para disputas proporcionais é a criação da “federação partidária” que não se difere abruptamente das atuais coligações. A principal diferença é que os partidos “federalizados” deverão obedecer à “verticalização” e também devem se manter unidos e atuando unidos durante toda a legislatura. Mas, como ressaltamos acima, a questão depende de reforma constitucional.


 

CONCLUSÃO

Não há consenso na atual comissão de reforma política e nem mesmo nas tentativas anteriores de reforma se é realmente necessário diminuir o número de partidos representados na Câmara dos Deputados, muito embora o Brasil demonstre ser o país com maior número de partidos representados no Parlamento.

O que tem se mostrado consenso é a necessidade de se combater a corrupção em todas as suas vertentes, principalmente, a corrupção no sistema eleitoral e no financiamento das campanhas.

E a mudança na forma de financiamento das campanhas pode alterar o atual quadro partidário no Brasil? Embora esse assunto mereça outras considerações, vejamos o que nos diz Márcio Nuno Rabat[2]:

“No que diz respeito aos interesses dos pequenos partidos, há certa ambiguidade na adoção do financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais como a capacidade de arrecadação de recursos privados também tende a ser bem inferior nos partidos pequenos, o simples fato de que uma parcela dos recursos públicos seria distribuída igualitariamente entre todos os partidos registrados – e parcelas ainda maiores seriam distribuídas, também igualitariamente, entre os partidos que tenham elegido representantes nas eleições anteriores da Câmara dos Deputados – torna possível que, pela proposta do relator, os partidos pequenos, na prática, recebam, proporcionalmente ao que recebem os partidos grandes, um volume de recursos maior do que têm recebido pelo financiamento privado. O benefício ou prejuízo para os pequenos partidos vai depender da capacidade de arrecadação privada que concretamente eles tenham, comparada com o percentual de recursos que lhes caberia pelas regras de distribuição de recursos públicos estabelecidas na futura lei.”

RESUMO

·         Em poucos anos o Brasil passou do bipartidarismo “forçado” para uma hiperfragmentação partidária;

·         É salutável e imperativo que se estabeleça maior rigidez nas regras sobre criação de novos partidos. O enrijecimento pode ajudar a reduzir, mitigar, minimizar ou impedir ainda mais a hiperfragmentação;

·         Cláusula de barreira ou de desempenho já existe por meio do quociente eleitoral. Criar barreira para acesso ao fundo partidário e ao rádio e TV pode vir a ser declarada novamente inconstitucional pelo STF;

·         A justa causa criada pelo Judiciário como exceção ao princípio da fidelidade partidária tem contribuído para a hiperfragmentação;

·         A proibição de coligações em eleições proporcionais pode ser benéfica para corrigir distorções do sistema eleitoral, porém, bastante prejudicial à atual liberdade partidária instituída por meio da EC 52/06. Entendemos que há outras formas de se atingir o mesmo objetivo. De qualquer forma a alteração demanda nova reforma constitucional que dificilmente encontraria consenso suficiente nesse tema no atual quadro de hiperfragmentação;

·         Não se pode prever com segurança se a mudança no financiamento de campanhas trará efeitos na questão da hiperfragmentação.

 



[1] Rabat, Márcio Nuno: Impacto das propostas da comissão da reforma política sobre os Pequenos partidos. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/10497, acesso em 22 de abril de 2015.

[2] Rabat, Márcio Nuno: Impacto das propostas da comissão da reforma política sobre os Pequenos partidos. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/10497, acesso em 22 de abril de 2015.

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