Presunção de Inocência e Execução Antecipada da Pena
Como regra geral o Código de Processo Penal (art. 637 e o já revogado art. 594) não concede efeito suspensivo aos recursos no processo penal. Sendo assim, embora a Constituição assegurasse desde 1988 a presunção relativa de inocência até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, muitos juízes e tribunais exigiam que o réu se recolhesse preso para poder recorrer de decisões condenatórias.
O STJ já havia fixado o entendimento que: “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.
No STF a questão ainda era cambiante, veja que até 2007 a Corte ainda se posicionava na possibilidade da prisão.
Habeas corpus. Constitucional. Processual penal. Execução provisória da pena. Pendência de julgamento dos Recursos especial e extraordinário. Ofensa ao princípio da presunção da inocência: não-ocorrência. Precedentes. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a pendência do recurso especial ou extraordinário não impede a execução imediata da pena, considerando que eles não têm efeito suspensivo, são excepcionais, sem que isso implique em ofensa ao princípio da presunção da inocência. Habeas corpus indeferido.
Veja outro julgado do mesmo período.
Habeas corpus. constitucional. Processual penal. Condenação pelo crime de atentado violento ao pudor. Execução provisória da pena: possibilidade. Precedentes. Não configuração de reformatio in pejus. Habeas corpus denegado. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo. Não configurada, na espécie, reformatio in pejus pelo Tribunal de Justiça do Paraná. A sentença de primeiro grau concedeu ao Paciente ‘o benefício de apelar’ em liberdade, não tendo condicionado a expedição do mandado de prisão ao trânsito em julgado da decisão condenatória. Habeas corpus denegado.
Porém, mesmo em 2007 a Corte Constitucional já começa a reavaliar a questão, veja este julgado que menciona a mutação constitucional em andamento:
Inicialmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido segundo o qual a interposição do recurso especial e/ou recurso extraordinário não impede, em princípio, a prisão do condenado. Precedentes citados: HC n. 77.128/SP, Segunda Turma, por maioria, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 17.11.2000; HC n. 81.685/SP, Primeira Turma, unânime, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.05.2002; e HC n. 80.939/MG, Primeira Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 13.09.2002. Desde o início do julgamento da Rcl n. 2.391/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, o Plenário deste Tribunal tem discutido amplamente a possibilidade de reconhecimento do direito de recorrer em liberdade. Embora a referida reclamação tenha sido declarada prejudicada, por perda de objeto (DJ 12.02.2007), o entendimento que estava a se firmar, inclusive com o meu voto, pressupunha que eventual custódia cautelar, após a sentença condenatória e sem trânsito em julgado, somente poderia ser implementada se devidamente fundamentada, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Na espécie, um fator decisivo é o de que apenas a defesa apelou da sentença de 1º grau. O TRF da 3ª Região deu parcial provimento ao recurso para reduzir a pena do acusado para 8 (oito) anos de reclusão em regime inicial semi-aberto. Com o julgamento da apelação, foi expedido mandado de prisão contra o paciente. Entretanto, a Segunda Turma do TRF da 3ª Região não especificou quaisquer elementos suficientes para autorizar a constrição provisória da liberdade, nos termos do art. 312 do CPP. Ademais, o paciente permaneceu em liberdade durante toda a instrução criminal, assim como até o julgamento da apelação. Considerado o princípio constitucional da não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) e dada a ausência de indicação de elementos concretos para basear a prisão preventiva, não é possível interpretar o simples fato da condenação em sede de apelação como fundamento idôneo para, por si só, demandar a custódia cautelar do paciente antes do trânsito em julgado. Precedentes citados: HC n. 85.856/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 10.03.2006; RHC n. 86.822/MS, de minha relatoria, julgado em 06.02.2007, acórdão pendente de publicação e RHC n. 89.550/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 27.04.2007. Ordem deferida para que seja assegurado ao paciente o direito de recorrer do acórdão condenatório em liberdade até o trânsito definitivo da condenação criminal.
Pode-se dizer que hoje a questão já está pacificada no STF. O STF em reiterados julgados de 2008 e 2009 tem entendido ser descabida a prisão (sem pressupostos que ensejem a cautelar) antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória:
Inconstitucionalidade da chamada ‘execução antecipada da pena’. Art. 5º, LVII, da Constituição do Brasil. O art. 637 do CPP estabelece que ‘(o) recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença’. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/1984, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados — não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais (leia-se STJ e STF) serão inundados por recursos especiais e extraordinários, e subseqüentes agravos e embargos, além do que ‘ninguém mais será preso’. Eis o que poderia ser apontado como incitação à ‘jurisprudência defensiva’, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Recurso ordinário em habeas corpus conhecido e provido, em parte, para assegurar ao recorrente a permanência em liberdade até o trânsito em julgado de sua condenação.
Outro julgado importante da Corte:
Ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP.
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